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quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

A IGREJA DENTRO DA LEI - Controle de Normas Estatutárias de Igreja Sede, Ministério ou Convenção

Por Adiel Teófilo.

As igrejas evangélicas em nosso país podem funcionar de forma independente umas das outras, mas também podem estabelecer vínculos entre si formando instituições coletivas. Assim, do ponto de vista da autonomia administrativa, estão organizadas basicamente de duas formas distintas, descritas a seguir.
Das igrejas autônomas e das igrejas vinculadas
As igrejas autônomas são aquelas que foram criadas com personalidade jurídica própria e funcionam com absoluta independência em relação às demais. Não possuem qualquer vinculação administrativa ou eclesiástica com outras instituições religiosas, ainda que utilizem denominação evangélica idêntica por comungarem do mesmo credo religioso.
As igrejas vinculadas foram criadas de modo integrado a uma denominação, formando um só grupo de igrejas filiadas, chamadas também de congregações, as quais podem ter ou não personalidade jurídica própria, porém estão subordinadas a uma igreja sede ou matriz. Esta, por sua vez, exerce o controle administrativo, financeiro e patrimonial sobre as igrejas filiadas, em razão de disposições estatutárias instituídas originariamente na criação dessas unidades vinculadas.  
Da liberdade de filiação
Importante analisar a condição das igrejas em face da liberdade de filiação. As igrejas autônomas possuem ampla liberdade de filiação. Podem estabelecer vínculos com outras instituições, mas também podem a qualquer momento romper com essas ligações, promovendo a sua desfiliação. Isso, em razão do princípio da liberdade associativa, previsto no art. 5º, inc. XX, da Constituição Federal/1988 (CF/88), que assegura: ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;”.
Ao contrário disso, as igrejas vinculadas têm certas restrições. Não podem por iniciativa própria promover o desligamento em razão dos vínculos originários da sua criação como parte integrada ao todo. A autonomia somente poderá ser concedida por iniciativa da sede ou matriz, desde que observado o procedimento previsto em estatuto ou em ata deliberativa do órgão competente para conceder a autonomia. Exemplo disso, ao empresário que instituir sucursal, filial ou agencia da empresa é que cabe destituir ou repassa-la a terceiro.
Do estatuto único e da pluralidade de estatutos
Por outro lado, o conjunto de igrejas vinculadas entre si pode ser organizado em entidade de representação coletiva designado por ministério ou convenção. Considerando a quantidade e a localização dessas igrejas filiadas, as convenções ou ministérios podem ser de âmbito regional, estadual ou nacional. No que concerne ao estatuto dessas organizações coletivas, podem ocorrer duas hipóteses.
Convenção ou ministério que possui estatuto único. Nesse caso, as normas estatutárias são aplicadas a todas as igrejas e congregações vinculadas, as quais não possuem individualmente estatuto nem personalidade jurídica própria. Juntas, formam uma só organização religiosa, simultaneamente com a igreja sede ou matriz, de modo que todas as entidades vinculadas utilizam o mesmo Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), por se sujeitarem a um mesmo estatuto.  
No caso de pluralidade de estatutos, cada igreja local tem seu estatuto e personalidade jurídica própria, distinta das demais. No entanto, o estatuto de cada igreja filiada contém normas que estabelecem a natureza da vinculação com a igreja central, conforme critérios originariamente instituídos no estatuto da entidade coletiva. Dessa forma, cada igreja filiada tem seu próprio CNPJ.
Do conflito de normas estatutárias
Ocorrendo a pluralidade de estatutos, cada igreja filiada elabora seu próprio ato constitutivo. Nesse caso podem ocorrer conflitos de normas entre o estatuto da igreja local e o estatuto da entidade de representação coletiva. Surge então a necessidade de se exercer o controle de normas estatutárias, visando promover a adequação entre as disposições do estatuto local e os preceitos estatutários de âmbito geral.   
Embora casos dessa natureza não sejam tão comuns no cotidiano das igrejas, podem surgir em qualquer denominação. Como exemplo, ocorreu uma situação de conflito estatutário envolvendo uma Convenção Estadual no Nordeste do país, quando auxiliamos na resolução mediante a elaboração de parecer jurídico. Esse fato ensejou a redação do presente artigo, sendo aqui reproduzidas as principais orientações contidas no aludido parecer.
Dos vínculos entre igrejas filiadas e igreja sede, ministério ou convenção
Diante do conflito de normas estatutárias, faz-se necessário preliminarmente identificar a natureza dos vínculos existentes entre a igreja filiada, que editou a norma conflitante, e a sede, convenção ou ministério, que possui ascendência sobre aquela filiada. O exame cuidadoso do estatuto e das atas anteriores, desde a data em que foram criadas as instituições, pode oferecer histórico com subsídios concretos capazes de demonstrar a vinculação jurídica existente entre as entidades religiosas.
Esses vínculos devem constar expressamente do estatuto e podem apresentar diferentes naturezas, conforme foram estabelecidos na origem entre as igrejas filiadas e a respectiva entidade coletiva. Seguem alguns exemplos de vínculos: 1) administrativos: para fins de controle da gestão administrativa, financeira e patrimonial; 2) eclesiásticos: visam a formação, ordenação e movimentação de Pastores, Obreiros e demais líderes, bem como a unidade teológica e doutrinária da denominação; e, 3) colaborativos: com vistas ao apoio e auxílio mutuo entre as igrejas ligadas por laços de fraternidade e cooperação.
Convém ressaltar que as igrejas são livres para estabelecer qualquer desses vínculos ou todos eles simultaneamente. Além disso, tais vínculos podem apresentar maior ou menor abrangência no âmbito da instituição religiosa. Tudo depende da forma de organização administrativa e eclesiástica que foi instituída pela entidade de representação coletiva, que preestabelece os parâmetros da vinculação por meio de normas estatutárias gerais. Essas normas são de cumprimento obrigatório por parte das igrejas filiadas e se constituem no principal fundamento jurídico para viabilizar o controle de adequação das normas estatutárias em conflito. A título de exemplo dessas normas gerais, transcreve-se a seguir disposições extraídas do Estatuto da Convenção Estadual onde ocorreu o conflito estatutário que mencionamos acima:
Art. 11. Os Estatutos e Regimentos Internos das Igrejas filiadas disporão sobre o seu vínculo com a Convenção [...], em nível estadual, e, com a Convenção [...], em nível nacional.
[...]
§ 3o Os Estatutos e Regimentos das Igrejas filiadas e instituições reconhecidas, não poderão contrariar disposições estatutárias e regimentais da Convenção [...].
Do controle de adequação das normas estatutárias e do procedimento
Identificados os vínculos e sua natureza, o passo seguinte é apontar com precisão os dispositivos inseridos no estatuto da igreja filiada que apresentam contrariedade em face das normas estatutárias da entidade de representação coletiva. Pode-se elaborar nesse sentido parecer jurídico esclarecendo minuciosamente as disposições que devem ser impugnadas em razão da contrariedade, bem como os preceitos estatutários da organização coletiva que em tese foram violados.
De posse desse documento de consultoria jurídica, a sede, ministério ou convenção, pode instaurar procedimento administrativo interno visando promover a análise e o julgamento da adequação das normas estatutárias em conflito. Ainda que o estatuto ou o regimento interno não disponha expressamente acerca desse procedimento de controle, nada obsta a sua instauração pela instituição colegiada. Trata-se de medida administrativa exercida com a finalidade de fazer cumprir integralmente o seu próprio estatuto, corrigindo excessos ou desvios cometidos por igreja filiada na elaboração ou reforma do estatuto vinculado. 
Convém destacar que durante todo o procedimento de controle devem ser assegurados todos os meios legítimos de defesa, conforme estabelece o art. 5º, inc. IV, da CF/88: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”.
Instaurado o procedimento de controle de adequação das normas estatutárias, a igreja filiada deve ser cientificada na pessoa do seu presidente ou representante legal. A comunicação por escrito conterá os dados que se seguem, dentre outros considerados relevantes:
a) informações sobre a instauração do sobredito procedimento de controle e sua finalidade;
b) indicação precisa das normas ou expressões contidas no estatuto da igreja filiada que estão sendo impugnadas por apresentar contrariedade ao estatuto da sede, ministério ou convenção, apontando ainda quais são as disposições que em tese foram violadas;
c) fixação de prazo razoável para o oferecimento de defesa escrita por parte da igreja filiada; e,
d) advertência de que a falta dessa resposta no prazo fixado implicará em revelia.
Apresentada ou não a resposta escrita, deve-se prosseguir na instrução do procedimento. Para isso, convém juntar documentos, tomar depoimentos se preciso for e adotar outras medidas necessárias ao completo esclarecimento do caso. E aqui cabe recordar que visando assegurar a ampla defesa e o contraditório, a igreja filiada deve ser intimada de cada uma das providências realizadas no decorrer da instrução do procedimento.
Vencida essa fase, segue-se o julgamento. O procedimento será cuidadosamente analisado e a decisão final proferida pelo órgão competente. Para tanto, precisa declarar se aquelas normas inicialmente impugnadas apresentam ou não contrariedade em face do estatuto da entidade coletiva. Pode declarar ainda, caso oportuno e conveniente, a ineficácia das normas impugnadas, com efeito ex tunc - significa dizer que as normas declaradas contrárias ao estatuto perdem a sua eficácia desde a data da sua edição, não produzindo desde então os efeitos que pretendiam produzir.       
O inteiro teor dessa decisão final constará em ata, que será levada ao registro público em Cartório. Esse ato visa assegurar a publicidade da decisão, para que produza os jurídicos e legais efeitos. Cópia dessa ata com registro será encaminhada à igreja filiada, para conhecimento e adoção de medidas visando sanar as contrariedades apontadas, com a fixação de prazo razoável para promover as reformas no seu estatuto. Caso isso não ocorra no prazo fixado, a sede, ministério ou convenção, poderá intervir diretamente na igreja filiada através da aplicação de mecanismos estatutários ou regimentais, ou ainda, na ausência desses mecanismos ou impossibilidade de sua aplicação, propor ação judicial por intermédio de advogado exigindo a efetivação da reforma e adequação estatutária.   

Diante do exposto, conclui-se que a organização religiosa de representação coletiva exerce controle sobre as entidades a ela filiadas. Isso decorre de diferentes vínculos jurídicos, históricos e institucionais, originariamente estabelecidos entre elas. A natureza dessa vinculação pode determinar inclusive que certas igrejas filiadas tornem-se indissociáveis, bem como obrigar que os seus atos constitutivos guardem conformidade com as disposições estatutárias gerais. Surgindo alguma norma que fere a vinculação ou apresente contrariedade total ou parcial em face dos preceitos estatutários gerais, a igreja sede, ministério ou convenção, tem o poder-dever de adotar medidas visando sanar essas irregularidades. Enfim, poderá para tanto instaurar procedimento de controle de adequação das normas estatutárias, assim como empregar mecanismos estatutários e regimentais disponíveis ou buscar a tutela judicial específica quando necessário, a fim de fazer cumprir o seu estatuto e restabelecer a harmonia entre instituições religiosas vinculadas.  

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