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terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

A IGREJA DENTRO DA LEI - Assistência Religiosa ou Capelania

Por Adiel Teófilo. 

A República Federativa do Brasil tem como principal fundamento o princípio do Estado Democrático de Direito, conforme preceitua o art. 1º da Constituição Federal de 1988. A partir desse princípio de construção da ordem jurídico-constitucional, foram estabelecidas diversas garantias, visando proteger as liberdades e os direitos dos cidadãos na convivência em sociedade.

Dentre essas garantias constitucionais, destaca-se a proteção do Estado em favor da liberdade de consciência e de crença religiosa. Implica dizer que todas as pessoas, indistintamente, podem desenvolver no território nacional, com total liberdade, a prática de qualquer religião ou culto confessional, conforme art. 5º, inc. VI, da Constituição Federal, que assim dispõe: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;”.

Outra importante garantia é a prestação de assistência religiosa, denominado também de serviço de capelania. Essa atividade encontra amparo no art. 5º, inc. VII, da Constituição Federal, que assim preconiza: “é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;”. Esse preceito constitucional assegura que o serviço de assistência religiosa pode ser prestado em favor das pessoas que se encontram internadas em hospitais, abrigos, cadeias, presídios e demais entidades semelhantes, sejam elas de natureza civil ou militar.

Importante destacar que a assistência religiosa deve ser exercida “nos termos da lei”, conforme dispõe o inciso acima transcrito. Dessa forma, na prestação do serviço religioso, devem ser acatadas as disposições contidas em lei que regulamenta a atividade em pauta. Nesse sentido foi editada a Lei nº 9.982, de 14 de julho de 2000. Essa Lei Federal dispõe de modo geral sobre a prestação de assistência religiosa nas entidades hospitalares, públicas e privadas, bem como nos estabelecimentos prisionais civis e militares. Eis a sua íntegra:  

Art. 1o Aos religiosos de todas as confissões assegura-se o acesso aos hospitais da rede pública ou privada, bem como aos estabelecimentos prisionais civis ou militares, para dar atendimento religioso aos internados, desde que em comum acordo com estes, ou com seus familiares no caso de doentes que já não mais estejam no gozo de suas faculdades mentais.
Parágrafo único. (VETADO)
Art. 2o Os religiosos chamados a prestar assistência nas entidades definidas no art. 1o deverão, em suas atividades, acatar as determinações legais e normas internas de cada instituição hospitalar ou penal, a fim de não pôr em risco as condições do paciente ou a segurança do ambiente hospitalar ou prisional.

Esse diploma legal está em vigor e tem eficácia em todo o território nacional. Estabelece dois importantes requisitos, os quais devem ser observados por todas as confissões e denominações religiosas que pretendem realizar o serviço de capelania, a saber:

            1º. Requisito do consentimento: as pessoas que se encontram internadas precisam concordar em receber o atendimento religioso. Quando essas pessoas não puderem exprimir sua vontade, em razão de enfermidade ou incapacidade mental, os familiares podem autorizar a atividade em favor do enfermo ou incapaz;

            2º. Requisito do cumprimento das normas: os religiosos devem acatar as determinações legais que regulamentam a assistência religiosa, bem como as normas internas da unidade hospitalar ou do estabelecimento prisional, a fim de não colocar em risco a saúde do paciente ou a segurança do ambiente onde prestará o serviço de capelania.  

Convém ressaltar ainda que o art. 2º, da Lei Federal transcrita acima, estabelece a obrigatoriedade de “acatar as determinações legais...”. Isso se deve ao fato de que cada Unidade da Federação pode legislar sobre a matéria, com amparo no art. 25, § 1º, da Constituição Federal, editando lei estadual, bem como decreto, regulamentando a atividade no âmbito do respectivo Estado. No Distrito Federal, por exemplo, editou-se a Lei nº 3.216, de 05 de novembro de 2003, com o seguinte teor:

Art. 1° A presente lei regulamenta a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva no âmbito do Distrito Federal.
Art. 2° E garantida a livre prática de culto para todas as crenças religiosas.
Parágrafo único. A liberdade de religião fica condicionada às limitações impostas pela presente Lei e seu regulamento em favor do interesse prevalecente da coletividade.
Art. 3° A assistência religiosa somente poderá ser ministrada se houver opção dos interessados nesse sentido.
Art. 4º O ingresso na assistência religiosa far-se-á por indicação de entidade religiosa competente, de candidatos que se enquadrem nas seguintes condições:
I – ser sacerdote, pastor, ministro religioso ordenado ou voluntário leigo;
II – ter consentimento expresso da igreja ou da denominação a que pertença;
III – possuir idoneidade moral.
Art. 5° A atuação religiosa será feita sem ônus para os cofres públicos.
Art. 6° Constituem, dentre outros, serviços de capelania:
I - trabalho pastoral;
II - aconselhamento;
III - orações;
V - ministério de comunhão cristã;
V - unção dos enfermos.
Art. 7º A assistência religiosa poderá ser ministrada:
I - aos pacientes internados em hospitais da rede pública ou privada;
II - aos reclusos internados em estabelecimentos penitenciários do Distrito Federal.
Art. 8° Para aprimorar a assistência religiosa nos locais de que trata esta Lei, os órgãos públicos e privados permitirão o franco acesso de sacerdotes, pastores ou ministros religiosos credenciados por entidades religiosas competentes, na qualidade de agentes religiosos voluntários, desde que obedeçam às normas administrativas desses órgãos.
Art. 9° O acesso às dependências dos hospitais e estabelecimentos penitenciários fica condicionado à apresentação, pelo ministro de culto religioso, de credencial especifica, fornecida pelas Secretarias de Estado de Saúde ou de Segurança Pública e Defesa Social do Distrito Federal.
Art. 10. Somente poderá ser expedida credencial mediante apresentação de termo de identificação, de idoneidade e responsabilidade, subscrito pelo órgão competente ou majoritário de representação da associação religiosa a que pertença o interessado.
Parágrafo único. A associação religiosa deverá ter sido legalmente instituída, obedecidos os requisitos e limites de atuação impostos pela legislação vigente.
Art. 11. Deverá ser criado e mantido um registro de identificação das pessoas que forem credenciadas.
Art. 12. O çredenciamento, bem como os demais termos desta Lei, serão regulamentados pelo Poder Executivo no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data de sua publicação.
Art. 13. O regulamento da presente Lei deverá ser afixado, de forma visível, nos locais de acesso do público aos estabelecimentos; preferencialmente nas portarias.
Art. 14. O descumprimento do disposto no artigo anterior importará na imposição ao responsável pelas instituições infratoras de multa no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais)/ dia.
Parágrafo único. Sem prejuízo da aplicação da multa, as entidades infratoras e os seus representantes legais estarão sujeitos às sanções legais e administrativas cabíveis.
Art. 15. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 16. Revogam-se as disposições em contrário.

A Lei acima transcrita estabelece no art. 4º que o ingresso na assistência religiosa será mediante indicação de entidade religiosa. Para tanto, o pastor, ministro religioso ou voluntário leigo, deverá ter o consentimento expresso da igreja ou da denominação a que pertence. No artigo 6º, elenca de forma exemplificativa as ações que constituem serviços de capelania, pois ao usar a expressão “dentre outros”, significa dizer que podem ser realizados serviços de natureza religiosa que não estão expressamente mencionados na lei, a exemplo do batismo.


Nos artigos seguintes, a supracitada Lei preconiza que os religiosos serão credenciados através das entidades religiosas competentes, na qualidade de agentes religiosos voluntários. Prevê ainda, que o acesso desses religiosos às dependências dos estabelecimentos penitenciários fica condicionado à apresentação de credencial fornecida pela Secretaria de Estado de Segurança Pública.

Ao tratar novamente dessa credencial no art. 10, a Lei em apreço prescreve que “somente poderá ser expedida credencial mediante apresentação de termo de identificação, de idoneidade e responsabilidade, subscrito pelo órgão competente ou majoritário de representação da associação religiosa a que pertença o interessado”. Esse órgão de representação da entidade religiosa trata-se da Igreja Sede ou da Convenção Regional a que estiver filiada a igreja, da qual o interessado em prestar a assistência religiosa é membro.

O Parágrafo único do art. 10 exige que a organização religiosa tenha sido legalmente instituída. Significa dizer que deverá possuir estatuto devidamente registrado em Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas. Ressalva-se que no texto da Lei consta a expressão “associação religiosa”, porque foi editada antes da vigência do Código Civil, instituído pela Lei Federal nº 10.825, de 22/12/2003, que inseriu as igrejas no rol das pessoas jurídicas de direito privado com a designação de “organizações religiosas”. Por derradeiro, o art. 12 remete o credenciamento e demais disposições para a regulamentação a ser promovida pelo Poder Executivo.

A Lei em apreço foi regulamentada pelo Decreto nº 30.582, de 16 de julho de 2009. Esse Decreto reitera e detalha as principais regras contidas na Lei do Distrito Federal nº 3.216, de 05 de novembro de 2003. No art. 4º, § 6º, destaca que no acesso ao estabelecimento prisional deverão ser observadas as normas de segurança e disciplina interna, conforme as peculiaridades da instituição penal, cabendo à Secretaria de Segurança Pública regulamentar a matéria por meio de Portaria.

Essa exigência de se observar as peculiaridades do estabelecimento se deve às diferenças de rigor na segurança entre os regimes prisionais. O regime fechado é o mais rigoroso em razão da gravidade dos crimes cometidos e do tempo de duração das penas, exigindo elevado grau de segurança prisional. O semiaberto é o regime intermediário e o aberto o mais brando, sendo não raras vezes convertido em prisão domiciliar em razão da inexistência de Casa do Albergado no Distrito Federal, unidade que seria destinada ao regime aberto.

O art. 5º desse Decreto exige que a entidade religiosa interessada em prestar assistência promova o seu cadastramento e indique os seus representantes para serem credenciados. Portanto, as organizações religiosas (igrejas) são cadastradas e os religiosos (capelães) são credenciados no órgão competente. O art. 5º enumera os documentos necessários para tais providências. Para o cadastramento das entidades religiosas devem ser apresentadas fotocópias autenticadas dos seguintes documentos: a) Estatuto social devidamente registrado em Cartório de Registro de Pessoa Jurídica; b) Ata de eleição e posse de seus dirigentes, devidamente registrada em Cartório; c) Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica - CNPJ; e, d) Termo de Identificação, de idoneidade e Responsabilidade, subscrito pelo órgão competente ou majoritário de representação da Associação Religiosa.

Para o credenciamento das pessoas que vão ministrar a assistência religiosa, são exigidas fotocópias autenticadas dos documentos: a) carteira de identidade; b) comprovante de residência; c) comprovante da condição de membro de instituição religiosa há pelo menos seis meses. Devem atender ainda aos seguintes requisitos: a) ser maior de 18 anos; b) estar no exercício de seus direitos civis e políticos; c) estar em condição regular no país, se for estrangeiro; e, d) possuir idoneidade moral ilibada.

O § 2º do art. 5º ressalva que, em face da natureza do estabelecimento penal, poderá ser exigido que o religioso não seja egresso e não possua vinculo de parentesco com interno de qualquer dos estabelecimentos penais do Distrito Federal. O parágrafo seguinte acrescenta que poderão ser exigidos ainda outros requisitos, diante das peculiaridades de cada unidade, o que deverá ser feito mediante Portaria especifica.

O art. 6º do supracitado Decreto enfatiza que o religioso, ao realizar as suas atividades, deverá acatar as “determinações legais e as normas internas de cada entidade de internação coletiva, a fim de não por em risco as condições do internado, dos prestadores de serviços na internação e a segurança do ambiente”.

No art. 7º está prevista a suspensão do credenciamento pelo prazo de até 90 (noventa) dias. Isso, na hipótese de o religioso ter comportamento incompatível com as finalidades da assistência religiosa, ou ainda provocar disputa ou confronto entre as celebrações realizadas por outra entidade religiosa. Caso ocorra a reincidência, o credenciamento do pastor, ministro ou voluntário leigo poderá ser cancelado e obviamente ser impedido de continuar prestando o serviço.

Além desse Decreto de regulamentação, foi expedida inicialmente a Portaria nº 22, de 21 de março de 2011, pela Secretaria de Estado de Segurança Pública do Distrito Federal – SSP/DF, publicada no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF) nº 56, de 23 de março, de 2011, que estabeleceu normas aplicáveis ao Sistema Penitenciário local, complementares ao referido Decreto. Auxiliei nos trabalhos de elaboração dessa Portaria durante minha gestão como Diretor Geral da Subscretaria do Sistema Penitenciário do Distrito Federal. Esse instrumento normativo, entretanto, foi revogado posteriormente pela Portaria nº 58, de 13 de agosto de 2015, publicada no DODF nº 158, de 17 de agosto de 2015, que atualizou as normas aplicáveis ao Sistema Penitenciário da Capital Federal.

No tocante às Unidades Hospitalares, as normas específicas estão previstas na Portaria nº 129, de 08 de setembro de 2004, expedida pela Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, publicada no DODF nº 174, de 10 de setembro de 2004. 

Por outro lado, a título de referencia, importante mencionar que algumas instituições públicas criaram quadro próprio para o desempenho da capelania. Os religiosos que compõem esses quadros são denominados Capelães e prestam assistência religiosa prioritariamente para os integrantes dessas instituições. É o caso das Polícias Militares de vários Estados da Federação, bem como das Forças Armadas. Exemplo disso é a Lei nº 6.923, de 29 de junho de 1981, alterada pela Lei nº 7.672, de 23 de setembro de 1988, que organizou o Serviço de Assistência Religiosa nas Forças Armadas, com a finalidade de “prestar assistência religiosa e espiritual aos militares, aos civis das organizações militares e às suas famílias, bem como atender a encargos relacionados com as atividades de educação moral realizadas nas Forças Armadas”.

Diante do exposto, concluímos que se faz necessário verificar a legislação em vigor no âmbito de cada Estado da Federação, a fim de constatar a existência de lei, decreto e portaria que tratam especificamente da atividade de assistência religiosa. Alguns requisitos ou exigências para a prestação desse serviço podem ser diferentes de um Estado para outro, conforme as peculiaridades de cada região do país. As condições de organização, funcionamento e lotação das unidades hospitalares, bem como dos estabelecimentos prisionais, podem também influenciar diretamente nos procedimentos previstos para o acesso dos religiosos e o desenvolvimento de suas atividades. Trata-se, pois, de atividade assegurada pela Constituição Federal, todavia o exercício da assistência religiosa precisa se ajustar à realidade de cada local onde será desempenhada.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

A IGREJA DENTRO DA LEI - Legitimidade das Doações dos Fiéis

Por Adiel Teófilo.

Requisitos legais de validade das doações dos fiéis e os vícios que podem causar a anulação dessas doações.

É de conhecimento geral que as igrejas evangélicas costumeiramente pedem aos seus fiéis que contribuam com dízimos e ofertas, além de outras formas de doação. O principal argumento que se utilizam para justificar esses pedidos é a necessidade de manter o funcionamento das atividades regulares da igreja, custeando as despesas de manutenção, limpeza e conservação, bem como a remuneração dos seus líderes e de funcionários contratados, dentre vários outros encargos eclesiásticos.

Não obstante ser muito comum essa prática, a reflexão sobre a legitimidade dessas doações conduz inevitavelmente a alguns questionamentos, tais como: será que todas as doações efetuadas pelos fiéis são juridicamente válidas? As igrejas podem empregar quaisquer meios para pedir doações? As entidades religiosas podem se utilizar livremente dos bens e valores doados para qualquer finalidade, inclusive para fins diferentes daquele que foi apresentado quando se pediu os dízimos e as ofertas? Essas indagações serão respondidas mediante uma abordagem eminentemente jurídica, e não teológica, pois o presente estudo enfoca o cumprimento da lei por parte das igrejas evangélicas.
  
Desse modo, importante considerar que as ofertas, dízimos e demais contribuições, sejam em dinheiro, bens móveis ou imóveis, que os fiéis doam para as igrejas, caracterizam-se juridicamente como contrato de doação. Essa espécie contratual está conceituada no art.538, do Código Civil - Lei nº 10.406, de 10/01/2002, que assim preconiza: Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.”. Ressalta-se que todos os artigos doravante mencionados são do Código Civil de 2002.

Diante disso, essa relação contratual no âmbito das igrejas precisa ser analisada sob dois ângulos diferentes: de um lado, a conduta da entidade religiosa que pede e aplica as doações, e, de outro, a condição da pessoa que faz a doação e a natureza dos seus bens e valores que serão doados. É bem verdade que sem as duas partes, doador e donatário (pessoa que recebe a doação), o processo não se completa, porém há aspectos relevantes que precisam ser considerados separadamente, visando compreender melhor a regularidade das doações destinadas às igrejas.

Iniciemos pela condição do doador. Indaga-se: toda pessoa pode doar o que bem quiser? A resposta mais comum é sim. Dizem que a pessoa pode doar tudo, desde que esteja doando aquilo que lhe pertence. No entanto, do ponto de vista legal, para que a doação tenha validade como negócio jurídico é necessário que atenda aos requisitos previstos em lei. O primeiro desses requisitos é a capacidade civil, prevista no art. 104, inciso I. Significa dizer que a pessoa do doador deve ter pelo menos 18 anos completos, quando então fica habilitada para a prática de todos os atos da vida civil, conforme art. 5º, podendo figurar normalmente como doador dos seus bens.

Surge então a seguinte pergunta: como ficam as ofertas em dinheiro entregues nas igrejas por crianças, adolescentes e jovens menores de 18 anos? A resposta requer a análise da capacidade civil do doador. Vejamos. Os menores de 16 anos são considerados absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil, de acordo com o art. 3º. Qualquer negócio jurídico por eles eventualmente celebrado é considerado nulo, de nenhuma validade, consoante art. 166, inc. I. Logo, não podem agir sozinhos como doadores. Precisam da figura do representante para atuar em nome deles.


Quanto aos maiores de 16 e menores de 18 anos, ainda não emancipados, são considerados relativamente incapazes no tocante a certos atos da vida civil ou à maneira de exercer esses atos, segundo regra do art. 4º, inc. I. O negócio por eles praticado é anulável, pode ser anulado, conforme art. 171, inc. I. Isto é, o negócio permanece válido a partir de sua celebração, contudo pode ser anulado em razão da falta da capacidade civil plena. Por isso, não podem igualmente atuar sozinhos como doadores. Devem ser assistidos por alguém que seja civilmente capaz.

A fim de proteger o interesse dos menores, o art. 1.630 estabelece que os filhos estão sujeitos ao poder familiar exercido pelos pais enquanto menores de 18 anos de idade. Por essa razão, o art. 1.534, inc. VII, confere aos pais plenos poderes, tanto para representar os filhos menores 16 anos, quanto para assistir os maiores de 16 e menores de 18 anos. Isso, em todos os atos da vida civil que se fizerem necessários, a fim de suprir o consentimento que esses menores não podem validamente expressar na celebração de qualquer contrato.

Aplicando esses conceitos ao cotidiano das igrejas, podemos constatar o seguinte. Os pais ou responsáveis, via de regra, presenciam as liturgias nas igrejas e têm não apenas o conhecimento, mas também manifestam o consentimento, ainda que de forma tácita, quanto às doações efetuadas por seus filhos menores. Não raras vezes, os próprios pais lhes fornecem esses recursos financeiros, ensinando-os na prática da liberalidade, generosidade e amor ao próximo. Assim sendo, inevitável é concluir que as pequenas ofertas e contribuições em dinheiro, apresentadas nas igrejas por crianças e adolescentes, são doações juridicamente válidas. O cuidado que se deve ter é quando a doação é notoriamente de grande valor e o menor não se faz acompanhar do seu representante ou assistente legal.

Ainda sob o ângulo do doador está a apreciação referente à natureza dos bens e valores que são doados. E aqui entra o segundo requisito para que o negócio jurídico seja realmente válido: o objeto da doação deve ser lícito, possível, determinado ou determinável, conforme art. 104, inc. II. O ato negocial que não cumprir esse requisito será consequentemente nulo, sem validade jurídica, consoante art. 166, inc. II. Assim sendo, objeto lícito é aquele que está de acordo com a lei, a moral e os bons costumes. Decorre disso que o bem ou valor a ser doado não pode ser de origem ilícita, a exemplo de dinheiro proveniente de furto, roubo ou tráfico de drogas. Obviamente que não se questiona a origem das pequenas importâncias em dinheiro ofertadas nas igrejas, entretanto não se pode aceitar ofertas vultosas sem questionar sua procedência, sob pena de estar concorrer para a prática de crime.

No que concerne ao objeto ser possível, trata-se daquele que é realizável, praticável, pois não se pode doar aquilo que é impossível de se transferir para o patrimônio de outra pessoa. Exemplo disso é doar um terreno no céu. Objeto determinado é aquele que pode ser estipulado, especificado, pelo gênero, quantidade e qualidade, como a doação de certo veículo. Determinável é o objeto incerto, descrito apenas por elementos mínimos quanto ao gênero e quantidade, para individualização no futuro, como doar parte de uma safra de cereais sem saber da qualidade do grão.

Além desses requisitos referentes ao objeto da doação, existem normas que limitam o volume total de bens ou valores a serem doados. É o caso do art. 548, que considera nula a doação de todos os bens do doador, sem que reserve para si uma parte de bens ou renda que sejam suficientes para a sua própria subsistência. Por isso não terá validade a doação integral de salário ou aposentadoria se o doador depender disso para sobreviver, podendo ser exigida a restituição dos valores. 

Outra limitação é a do art. 2.007, que estabelece a possibilidade de reduzir as doações quando constatar que o doador se excedeu quanto aos bens que realmente poderia dispor. Esse preceito tem por finalidade proteger inclusive o direito dos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge), pois a eles pertence de pleno direito a metade dos bens da herança, conforme preceituam os art. 1.845 e 1.846. Nota-se, em face dessas normas legais, que o doador não pode simplesmente doar tudo o que possui, atitude que não deve ser aceita nem incentivada pelas igrejas por ser contrária à lei.

O terceiro requisito para a doação ter validade como negócio jurídico é que obedeça a forma que a lei prescreve ou a forma que a lei não proíbe para a sua realização, segundo o art. 104, inc. III. O art. 541 determina que a doação será feita por meio de escritura pública, como é o caso dos imóveis, ou instrumento particular, no caso de bens móveis. O Parágrafo único do art. 541 assegura que a doação verbal será válida, quando se tratar de bens móveis de pequeno valor e o doador entregar de imediato o bem doado para o donatário. Por essa razão são perfeitamente válidas as doações de objetos, utensílios e outros bens móveis de pequeno valor que os fieis fazem em favor das igrejas sem qualquer documento escrito.   

Vamos analisar agora a conduta da entidade religiosa que pede e aplica as doações. As igrejas possuem ampla liberdade para estabelecer a sua forma de organização, sua estruturação interna e o seu modo de funcionamento, conforme art. 44, § 1o. Com suporte nesse dispositivo, as igrejas são livres também para definir a maneira mais conveniente e oportuna de pedir as doações, seja em dinheiro, bens ou valores. Todavia, por se estabelecer na doação um contrato, os participantes dessa relação contratual (o fiel como doador e a igreja como donatária) estão obrigados a guardar, tanto no momento da celebração do contrato quanto na sua execução, os princípios de probidade e boa-fé, por força do art. 422.  Lembrando que probidade é honestidade, retidão ou integridade de caráter, e, boa-fé é sinceridade, lisura e confiança recíproca entre as partes.

Percebe-se em vista desses princípios que não basta a simples manifestação de vontade do doador, no sentido de doar um bem ou valor para a igreja, para que a doação se torne definitivamente válida. É necessário que não ocorram vícios que afetam a livre declaração de vontade nem a boa-fé do doador. Porquanto, esses vícios constituem defeitos do negócio jurídico e podem acarretar a anulação e o consequente desfazimento da doação, além de gerar para a igreja a obrigação de reparar eventuais perdas e danos.

Dentre os vícios que maculam a livre manifestação de vontade, o que mais ocorre em determinadas igrejas é a coação. De acordo com o art. 151, a coação capaz de viciar a declaração de vontade é a que chega ao ponto de incutir o fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família ou aos seus bens. Não é difícil entender essa regra jurídica quando confrontada com os rituais de certas organizações religiosas, que frequentemente se utilizam de meios de coação para angariar mais contribuições. 

Lamentavelmente, existem nos vários tribunais em nosso país diversas ações judiciais condenando essas igrejas ao pagamento de indenizações ou obrigando-as a restituir os bens e valores doados. Isso, por terem coagido seguidores a doarem seus bens em troca de bênçãos ou de proteção espiritual. Nesses locais as pessoas podem ser coagidas a doar dinheiro e bens mediante violência psicológica tão ampla e profunda, inclusive sob a pena de padecer doenças, sofrimentos e perdas materiais, que anula completamente a sensatez e o bom-senso na manifestação de vontade do doador. Resta apenas pleitear judicialmente a anulação da doação efetuada nessas circunstâncias.

Outro problema grave é a destinação dos bens que foram doados, pois nem sempre as igrejas utilizam o dinheiro exatamente nos fins para os quais pediram as doações. Os fiéis em alguns casos são enganados e iludidos pelas falsas necessidades de manutenção da igreja, quando na verdade seus líderes desviam recursos, formam patrimônio pessoal invejável, constroem obras faraônicas incompatíveis com os fins da igreja, compram emissoras de televisão, realimentando desse modo a máquina de pedir doações por meio do marketing televiso. Uma investigação apurada pode comprovar até mesmo a prática de crimes, como já ocorreu antes em nosso país. 

Diante de todo o exposto, cabe aos doadores o bom senso e o discernimento necessários para avaliar a imparcialidade dos métodos utilizados na coleta de ofertas e contribuições, bem como analisar se a igreja aplica adequadamente os recursos financeiros que são doados. Quanto às igrejas, cabe adotar alguns cuidados ao pedir as doações, além de observar os requisitos legais exigidos no contrato de doação, conforme explanados acima, visando não incorrer em práticas que podem ocasionar a invalidade das doações e consequentemente a sua anulação. Todas essas observações são importantes, para evitar os pavorosos escândalos que ecoam quando as igrejas são chamadas a responder por demandas judiciais que pleiteiam a devolução de bens ou valores que foram doados por fiéis. Enfim, a igreja precisa atuar dentro da lei.   

segunda-feira, 11 de julho de 2016

A TRAGÉDIA DO PÚLPITO

Por Adiel Teófilo.

Sabe-se que o púlpito é uma peça importante do mobiliário de uma igreja evangélica. E todo bom cristão sabe qual é a sua finalidade dentro da liturgia de um culto. No entanto, os meios de comunicação têm apresentado ao público em geral uma variedade de usos do púlpito, que demonstram claramente o total desvio de sua primordial finalidade no contexto da autêntica celebração evangélica.

Vejamos alguns dos maus usos do púlpito nesse tempo do fim:

Púlpito balcão de negócios: a conquista material e a riqueza são a temática quase que exclusiva e repetitiva dos falsos mestres da teologia da prosperidade. Nada se prega sobre o pecado, a santificação e a salvação em Cristo, dentre outras importantes doutrinas Bíblicas, pois os amuletos, os rituais e congressos de busca financeira ocupam praticamente todo o tempo que as pessoas permanecem nesses ajuntamentos. Não se adora a Deus, mas busca-se um Deus que é “obrigado” a prosperar o homem, qualquer que seja o caminho que está trilhando na direção da eternidade. São lobos devoradores e mercenários insaciáveis pelo lucro à custa da ambição e ganância que despertam nas suas vítimas.   

Púlpito palanque de comédia: a pregação que deveria confrontar o pecado e promover crescimento espiritual, presta-se mais a proporcionar entretenimento ao povo, que facilmente se desmancha em gargalhadas diante de “piadinhas gospel”. Os relatos bíblicos ganham novos contornos interpretativos, numa espécie de comédia grega. Os personagens bíblicos passam a ser satirizadas e até ridicularizados por esses comediantes “evangélicos”. Prestam assim relevante serviço para a satisfação dos prazeres da carne.     

Púlpito divã de psicologia: a psicologia tem seu reconhecido papel no campo da ciência, entretanto não pode ser a base da pregação, expondo assim um evangelho altamente “psicologisado”, com receitas prontas para terapia coletiva no trato de diversos problemas emocionais. A pureza e a autenticidade na exposição das Escrituras deve ser buscada a todo custo, sob pena de se oferecer ensino adulterado, incompleto ou incapaz de produzir os resultados para os quais a Palavra de Deus foi designada. A pregação da Palavra deve ser pública, mas a terapia precisa ser individualizada.

Apesar dessa trágica utilização por alguns segmentos, existem aqueles que prezam pelo uso apropriado do púlpito na liturgia evangélica. A Bíblia Sagrada nesse espaço é apresentada na sua verdade, com seus reais propósitos e na integralidade, sem qualquer ardil ou artifício que a torne mais palatável aos seus ouvintes. A Escritura torna-se assim, de fato e de verdade, a única regra de fé e prática na vida cristã.

Nesse contexto, o evangelicalismo brasileiro precisa renovar a aliança com a Palavra de Deus, a exemplo do povo de Israel no tempo de Neemias, quando pediu que lhe trouxesse “...o livro da lei de Moisés, que o SENHOR tinha prescrito a Israel” (Neemias 8.1). Todo o povo se ajuntou na praça e Esdras, o sacerdote, leu o livro desde o alvorecer até o meio-dia, “...e todo o povo tinha os ouvidos atentos ao livro da lei” (v.3). Naquela ocasião, fora utilizado um “...púlpito de madeira, que fizeram para aquele fim” (v.4), quando então “Leram no Livro, na lei de Deus, claramente, dando explicações, de maneira que entendessem o que se lia”. (Neemias 8.8). Eis aí, portanto, a maneira correta como deve ser utilizado o púlpito durante os cultos verdadeiramente evangélicos.